A fim de impulsionar o fascismo americano, o verdadeiro Charlie Kirk teve que ser substituÃdo por um personagem mitificado, algo que os mestres da fraude criaram.
Por Werner Lange | Common Dreams
Pedro Marin
Charlie Kirk discursando na Conferência de Ação PolÃtica Conservadora (CPAC) de 2018 em National Harbor, Maryland. 27/02/2017. (Foto: Gage Skidmore / Flickr)
Durante anos, as forças fascistas nos Estados Unidos se bifurcaram vagamente entre as linhas espiritual e secular, uma convertendo uma fé sequestrada em uma guerra santa contra os “liberais Ãmpios” e a outra usando o poder polÃtico metastático para paralisar a democracia, restringir a liberdade de expressão e esmagar a “esquerda lunática”. O assassinato de Charlie Kirk mudou tudo isso e uniu essas duas trajetórias de forma dramática e perigosa.
Uma frente ampla unida pelo fascismo agora se apresenta diante de nós. Para impulsionar sua potência, o verdadeiro Charlie Kirk teve que ser substituÃdo por um personagem mitificado, algo que os mestres da fraude prontamente criaram.
O mártir do MAGA (Make America Great Again)
Após sua morte, a comparação entre Charlie Kirk e os santos mártires da igreja, especialmente Santo Estêvão, se tornou algo comum entre os pastores do MAGA. Rob McCoy, que afirma ter sido pastor de Kirk, declarou que “estamos em uma batalha espiritual; o mesmo espÃrito homicida que se voltou contra os profetas, que crucificou Cristo e martirizou Estêvão, está se manifestando novamente em nossos dias”. Um podcast chamado Reasons For Hope*Jesus produziu um elegante vÃdeo sobre “Paralelos na morte de Estêvão (Atos 7) e Charlie Kirk”. Garret Cuzick, um pastor em Kentucky, proferiu um sermão sobre “O MartÃrio de Charlie Kirk” no domingo seguinte ao seu assassinato, apontando que “Santo Estêvão foi morto e milhares se levantaram; rezo para que, por causa da morte de Charlie Kirk, milhares, se não milhões, se levantem. O sangue dos mártires é a semente da igreja”. Bob Lonsberry, membro e ex-missionário da Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias (a mesma igreja de Tyler Robinson, o assassino de Kirk), transmitiu um “sermão sobre a morte de Charlie Kirk”, também comparando Kirk a Estêvão, ambos como mártires: “Vimos isso com Estêvão e vimos com Charlie. Quando você fala a verdade divina aos poderes das trevas, o custo pode ser muito alto”. Timothy Dolan, cardeal de Nova York e ex-presidente da Conferência dos Bispos Católicos dos Estados Unidos, identificou Kirk como um “São Paulo moderno”. Ralph Hathaway foi um pouco além em seu artigo de 20 de setembro no Catholic365 — “Charlie Kirk, JFK, RFK, MLK e Santo Estêvão: todos heróis e santos pela coragem de falar pela justiça”.
Comparar Charlie Kirk a Santo Estêvão também foi um tema comum em seu funeral, realizado em um estádio lotado da NFL em Glendale, no Arizona. Donald Trump Jr. chegou a afirmar que Charlie, assim como Estêvão, provavelmente viu Jesus ao lado de Deus dando-lhe as boas-vindas ao céu. Outros oradores reforçaram sua hagiografia com comparações a São Francisco, Moisés, Washington, Lincoln, JFK (John F. Kennedy) e MLK (Martin Luther King). Robert Kennedy Jr. teve a audácia de afirmar explicitamente (e incorretamente) que tanto Cristo quanto Charlie morreram aos 31 anos e que ambos “mudaram a trajetória da história” com suas vidas e mortes.
O evento fúnebre, que atraiu um panteão de autoridades polÃticas, foi realizado em 21 de setembro, Dia Mundial da Paz, mas os oradores falaram repetidamente sobre uma guerra espiritual que envolve os Estados Unidos e a necessidade de vestir “a armadura completa de Deus”. Benny Johnson, da organização Turning Point – mesma organização de Kirk –, iniciou sua homenagem com gritos de “lutem por Charlie Kirk” e, em seguida, citou Romanos 13 para fundamentar seu apelo aos governantes piedosos para que “empunhem a espada contra o terror dos homens maus em nossa nação”. Stephen Miller, vice-chefe de gabinete da Casa Branca, afirmou que a oposição “não consegue conceber o exército que surgiu em todos nós” e proclamou com confiança que “derrotaremos as forças das trevas”. Ben Carson, talvez o único afro-americano neste evento, protestou contra os marxistas e os defensores do Evangelho Social. O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, levantou o espectro dos “terroristas antifa” e dos “lunáticos radicais de esquerda”, contrastando-os com o “imortal” Charlie Kirk, “um grande herói americano” cuja “voz ecoará através das gerações”.
O mártir nazista
Em vez dessas comparações artificiais entre Charlie Kirk e santos da igreja e heróis do Estado, há uma comparação surpreendentemente real com outro racista desprezÃvel glorificado pelos fascistas. Horst Wessel era filho de um pastor luterano e foi criado como um cristão devoto. Durante a turbulenta década de 1920 na Alemanha de Weimar, ele se juntou a várias gangues polÃticas de direita antes de se tornar membro do Partido Nazista em 1926, como integrante da notória e brutal SA, os Camisas Marrons. Sua paixão e combatividade chamaram a atenção do lÃder nazista Joseph Goebbels, que o enviou a um campo de jovens nazistas em Viena para treinamento em militância e agitação. Ele retornou a Berlim como lÃder da SA de seu bairro e participou avidamente de muitas lutas, verbais e fÃsicas, contra comunistas e outros antifascistas.
Em meados de janeiro de 1930, Wessel, então com 22 anos, foi baleado na cabeça durante uma ação de despejo por Albrecht Höhler, um comunista de renome, embora o Partido Comunista Alemão negasse que ele fosse um membro. Goebbels aproveitou seu assassinato para exigir que “os sub-humanos comunistas degenerados fossem esmagados até a aniquilação”. Percebendo o enorme valor propagandÃstico de ter um jovem fascista cristão como mártir, Goebbels caracterizou Wessel como “semelhante a Cristo”, como “um homem que clama através de suas ações: ‘Venham, sigam-me, eu os redimirei... um elemento divino atua nele, tornando-o o homem que é e fazendo com que ele aja dessa maneira e de nenhuma outra. Um homem deve dar o exemplo e se oferecer como sacrifÃcio”. Wessel morreu de sepse no final de fevereiro...
Deixe sua opinião